A Aplicação do método TEACCH como
Intervenção Psicoeducacional em um Autista.
INTRODUÇÃO
Na atualidade poucas são as formas
de adoecimento que não foram muito estudadas, porém pouco explicadas quanto à
sua etiologia ou a uma terapêutica que possa ser aplicada com segurança. Esse é
o caso do espectro autístico.
Os indivíduos acometidos por essa
síndrome, haja vista que abrange o autismo e as condições similares, sempre se
colocaram como uma incógnita para a ciência e foram entendidos de diferentes
formas, de acordo com os mais diversos referenciais teóricos.
Num primeiro momento formou-se a
respeito do autismo a hipótese de que os pais eram do tipo “frio” e causadores
da problemática de seus filhos. Hoje em dia, devido a enorme gama de estudos
científicos, esta teoria caiu por terra, documentando-se um comprometimento
orgânico-neurológico central. Para os teóricos que entendem esse acometimento
patológico a partir desse último viés, o autismo é um transtorno do
desenvolvimento, logo uma terapêutica eficiente deveria partir não do princípio
de que o autismo é um transtorno de personalidade onde as psicoterapias
convencionais poderiam ajudar. Não há causas psicológicas, traumas, para se ir
buscar. Há causas orgânicas que provocam um atraso no desenvolvimento.
Para uma proposta de intervenção
precisa é necessário olhar para, e descrever os fenômenos observáveis, os
sintomas, tentar pensar como esses indivíduos percebem e interpretam a
realidade que os cerca e perguntar o que ocorre em suas mentes para que
funcionem de um modo diferente.
O presente artigo fundamentado no
método TEACCH (Treatment and Education of Autistic and Related Communication
Handicapped Children) acredita que o autismo pode ser melhor entendido
como um Transtorno Invasivo do Desenvolvimento e que a criança autista evoluirá
melhor com um tratamento combinando terapia comportamental e educação especial.
O TEACCH é um método Psicoeducacional que advoga, através do trabalho do seu
criador Schopler, que essas crianças respondem melhor a realidades estruturadas
de acordo com suas limitações e potencialidades.
É sobre a aplicação deste método em um adolescente
autista, que trata o seguinte texto, para testar a aplicabilidade do método
como proposta interventiva para obtenção da maior independência e mudança na
qualidade de vida desses sujeitos.
Um levantamento teórico e um estudo de caso são a base utilizada por este
artigo, para discutir sobre o conceito e apontar propostas, com o objetivo de
sairmos deste vazio em que se encontram os serviços de atendimento aos
autistas, onde muito ruído e pouco entendimento existem na transmissão da
comunicação dos saberes sobre o autismo.
1. AUTISMO
I.
Conceito
Se falar sobre a enunciação de qualquer doença ou
síndrome, demanda falar necessariamente da sua evolução histórica. Estudar a
definição do autismo torna imperativo saber o que se conjeturou sobre a
definição e etiologia dessa síndrome até então, uma vez que as primeiras
tentativas de delimitar um saber sobre esse distúrbio aconteceram no início do
século passado.
Não é a proposta do presente artigo, fazer um
resgate profundo sobre como a definição do autismo evoluiu e como adquiriu
diferentes aspectos. Mas, tentar lembrar alguns aspectos históricos
importantes, para que a tentativa de se fechar uma definição não seja estéril e
a-histórica.
Leo Kanner em
1943 e Hans Aspeger, no ano seguinte descrevem uma forma de patologia infantil
com sintomatologia muito parecida, o primeiro autor, por escrever sua obra em
inglês torna-se mais conhecido que o segundo, que publica suas descobertas com
o original em alemão. Mesmo Gauderer (1993,
pg 8), não compartilhando a conceituação do autismo dada por Kanner (1943),
lembra que este último afirmava ser o autismo um distúrbio inato do contato
afetivo, relacionando-o com fenômeno da linha esquizofrênica, talvez pela sua
influência de Bleuler que estava impregnado com as idéias da psicanálise.
Kanner associava o autismo à psicose por falhas nos exames físicos e
laboratoriais e por acreditar que ocorressem entre os parentes algumas formas
de “refrigeração emocionais”, diferente de Gauderer (1997, pg 8) que acredita
que o autismo é um quadro de um distúrbio do desenvolvimento não havendo
qualquer indício de etiologia psicológica.
As principais características do autismo seriam: 1)
as dificuldades no relacionamento com pessoas; 2) desejo obsessivo a preservar
coisas e situações; 3) alterações da linguagem e na comunicação interpessoal.
Com o advento
do diagnóstico diferencial e mudanças por parte da psiquiatria e da psicologia
na forma de compreender essa patologia, pôde-se ver que na esquizofrenia que
ocorre na infância notam-se comportamentos estranhos, mas os mais típicos são
alucinações, delírios, associações soltas, desconexas ou incoerente do
pensamento, sintomas estes que não aparecem no autismo, como nos lembra
Gauderer (1997, pg 10).
Para este autor, o autismo é uma inadequalidade no
desenvolvimento que se manifesta de maneira grave durante toda a vida. É
incapacitante e aparece nos três primeiros anos de vida. Atinge as famílias de
qualquer configuração racial, étnica e social, não se conseguiu até agora
provar nenhuma causa psicológica no meio ambiente dessas crianças que possa
causar a doença.
Para Petters (1998, pg 65), tratam-se de crianças
que vieram com uma inabilidade inata de ter contatos afetivos normais e
biologicamente determinados com as pessoas.
Ainda persistem profissionais que acreditam na
psicogenia do autismo. Por mais que até o presente momento alguns psicanalistas
tentem argumentando sobre a imbricação do autismo com a psicose, o próprio
Dicionário de Psicanálise de Laplache e Pontalis, (2001, pg 391) traz que a
psicose teria como denominador comum os sintomas manifestos pela tentativa
secundária de restauração do laço objetal, através da construção delirante,
ausente no autismo, como dito antes. Essa concepção não parece sensata, já que
parte do pressuposto de que seria uma forma de patologia que afetava crianças
anteriormente normais, como afirma Rutter em seu artigo para o livro de Gauderer,
1997.
Autores, como Ornitz, no mesmo livro argumentam ser
o autismo um grave distúrbio no desenvolvimento do comportamento que não
apresenta sinais neurológicos demonstráveis, nem uma neuropatologia consistente
e nem marcadores genéticos.
Para Schwartzman (1994, pg 15) o autismo é uma
condição crônica com início sempre na infância, em geral aparecendo os
primeiros sintomas até o final do terceiro ano de vida, que afeta meninos em
uma proporção de quatro a seis para cada menina. A estimativa é de dez para cada
dez mil nascimentos, essa síndrome para este autor vem de condições nos
períodos pré-peri-pós-natais.
Neste momento
pode-se tentar pensar sobre o autismo como uma incapacidade de aprendizagem
social diferente de uma incapacidade intelectual geral ou retardo mental, a
diferença é que no autismo existe uma desvantagem com base em um
desenvolvimento que resulta em um estilo cognitivo diferente. Hoje, fala-se, da
tríade de desordem, sendo ela formada por distúrbios de comunicação, de
interação social e de imaginação, “estes apresentam-se juntos, embora com
intensidade e qualidade variadas” (Bosa, 2002, pg 25). Em função dessa nova
noção de tríade Assumpção Jr in Guaderer e col, (1997, pg 182) afirma que não
se pode falar de uma doença e sim de uma síndrome, com as mais variadas
etiologias, em que existe um repertório comportamental característico formado
pela incapacidade qualitativa na interação social, na comunicação verbal e não
verbal e na atividade imaginativa.
Na verdade, trata-se de uma distorção grave e
generalizada do processo de desenvolvimento, podendo persistir até a idade
adulta que recebe o nome de estado residual.
O autismo pode ocorrer isoladamente ou em associação
com outros distúrbios que afetam o funcionamento do cérebro, como infecções viróticas,
distúrbios metabólico, epilepsia e retardo mental, pode está associado a
doenças orgânicas como rubéola congênita ou fenicce tonúria, havendo dois
diagnósticos, a síndrome comportamental e a doença física, advoga Gauderer
(1997, pg 12).
Os critérios diagnósticos para o autismo são os
seguintes:
Início antes dos dois anos e seis meses (trinta
meses) de idade;
Uma determinada forma de desvio do
desenvolvimento social;
Uma determinada forma de desvio da linguagem;
Comportamentos estereotipados e rotinas;
Ausência de delírios, alucinações e distúrbios
do pensamento do tipo esquizofrênico.
II.
CARACTERIZAÇÃO E EVOLUÇÃO DA SÍNDROME
Muito embora alguma
anormalidade possa ser observada desde o início na maioria das crianças com
autismo infantil, algumas vezes a condição somente se torna manifesta ou ao
menos percebida pelos pais ou profissionais da saúde até o final do terceiro
ano de vida. Excepcionalmente, alguns casos só serão identificados por volta
dos cinco anos de idade. Pais e profissionais atentos poderão identificar
alterações, em geral, já nos primeiros meses de vida (Rosenberg, 1992 apud
Schwartzam, 1994, pg 16).
Os sintomas mudam e podem
até desaparecer com a evolução da idade. As características da doença podem ser
distribuídas em:
Distúrbios
do relacionamento:
Esta
deficiência precoce inclui a falta de desenvolvimento de uma relação
interpessoal e de contato visual, ausência de sorriso social, atraso ou
ausência de resposta antecipatória, aversão ao contato físico, preferência por
permanecer sozinho ou isolado e desinteresse por jogos ou brincadeiras.
Gauderer (1993, pg 54) fala sobre uma inadequabilidade no modo de se aproximar,
falta de contato visual e de resposta facial, indiferença ou aversão a afeto ou
contato físico e sociabilidade superficial. Pode-se falar, em alguns casos, de
ausência de qualquer desejo de comunicação com os outros e incapacidade de
tocar alguém para consolar ou encorajar. Pode ainda não haver alguma atividade
espontânea, e, sim uma insistência em ficar em uma mesma postura corporal.
Rutter
in Gauderere e col (1997, pg 82) traz como características comportamentais do
autismo a incapacidade de criar vínculos, ausência de reciprocidade, não
desenvolvimento de rituais de afagos e carinhos, ausência de empatia, para este
autor o prognóstico é fortemente influenciado pelo QI e pelas habilidades de
linguagem da criança.
Distúrbios
da fala e da linguagem
Enorme
atraso, com fixações e paradas ou total mutismo, são apenas alguns dos aspectos
encontrados, não em todos os autistas, já que a síndrome se apresenta de forma
muito diferenciada em cada sujeito. A ecolalia é comum sendo associada ao uso
inadequado ou reversão do pronome pessoal, podendo ser imediata ou tardia.
Gauderer (1993, pg 55) advoga que inúmeras foram as tentativas de se entender a
ecolalia dessas crianças em termos psicanalíticos, mas esta deficiência está
relacionada à extrema rigidez de imitação notada nessas crianças. Quando há
fala comunicativa, ela é atonal, arrítmica, sem flexão e incapaz de comunicar
apropriadamente as emoções. Os desvios qualitativos do desenvolvimento da fala
são inúmeros no autismo, os que acreditam na etiologia orgânica da do autismo
falam de um déficit na compreensão da linguagem falada que antecede o
desenvolvimento da fala.
O balbucio tende a ser pouco, em
termos de quantidade e anormal em termos de qualidade e quando a fala se
desenvolve o aspecto mais marcante é o seu uso limitado para fins sociais.
A compreensão, como dito
anteriormente, podem ser inexistentes ou
apresentarem vários graus de retardo,.há uso idiossincrático das
palavras e pronomes, os sinais não verbais que acometem a fala (expressão
facial, contato do olhar, gestos e mímicas) quase sempre estão alterados,
variando da ausência total até o uso inadequado.
Distúrbios
de motilidade
“O
maneirismo e os padrões peculiares de motilidade dessas crianças são os traços
que lhes conferem em grande parte sua aparência estranha e bizarra, podem
comprometer as mãos, os membros inferiores, o tronco e todo o corpo” (Gauderer,
1993, pg 57). Há presença de movimentos complexos e ritualísticos e estes não
possuem características de movimentos involuntários ou do tipo convulsivo, e
alterações no andar e na postura.
Distúrbios
da percepção e imaginação
Estes
indivíduos, em sua grande maioria, não conhecem formas ou objeto, apresentam
dificuldades de orientação têmpero-espacial, deficiência da atenção e
concentração. Existem reações exageradas a estímulos sensoriais, ou falta de
responsabilidade. Objetos colocados na
mão dessas pessoas caem, como se elas não possuíssem nenhuma sensação tátil.
Estas crianças, em geral, não notam cortes, escoriações ou até mesmo injeções.
Sobre a capacidade imaginativa há uma ausência total de imitação e brincadeiras
de faz-de-conta.
Com
toda o conjunto de sintomas apresentados acima vale ressaltar que se configuram
de forma diferenciada entre os indivíduos, cabe aos profissionais que trabalham
com este distúrbio muita cautela seja na forma de trabalhar com eles ou na
forma de lhe dar.
Inúmeros são pesquisadores que se têm dedicado ao
estudo de como facilitar a aprendizagem simples, mas de extrema complexidade
para os portadores dessa síndrome através da utilização de técnicas de
modificação de comportamento nessas crianças, como forma de proporcionar para
elas e suas famílias bem estar e adequabilidade social, uma forma de
intervenção que vai ao encontro dessa proposta é o método terapêutico TEACCH, o
qual será elucidado no próximo capítulo desse artigo.
Para a aplicação de tal método é necessário ter a certeza de um
diagnóstico diferencial prévio, contudo, as estratégias utilizadas por este
método, certamente podem ajudar qualquer outro indivíduo com o desenvolvimento
cognitivo, lingüístico e pessoal/social comprometido, assim como portadores de
Distúrbios Invasivos do Desenvolvimento, além de estimular indubitavelmente, a
afetividade e o desenvolvimento psicomotor.
III. AÇÃO PSICOEDUCATIVA COM O AUTISTA: O MÉTODO
DE TEACCH
Tratamento e Educação para
Autistas e Crianças com Deficiências relacionadas à Comunicação é o que
significa a sigla TEACCH, do inglês Treatment and Education of Autistic and
related Communication handicapped Children. Método criado por Eric Schoppler em
1972 no Departamento de Psiquiatria da Universidade da Carolina do Norte, em
Chapel Hill, para atender crianças portadoras de autismo ou psicose infantil
como era mais comum na época. O grupo que trabalhava com Schoppler antes da
criação do método atuava a partir de uma visão psicanalítica, oferecendo
liberdade total às crianças e terapia aos pais destas para tentar modificar sua
relação com os filhos, que segundo eles seria a causadora de seus distúrbios.
Descontente com os resultados
obtidos em relação ao tratamento do autismo, onde encontrava-se muita falta de
preparação dos profissionais da área, tanto para realizar o diagnóstico correto
em época precoce como também, escassez de locais para um atendimento adequado.
Schoppler e seu grupo solicitaram uma verba federal ao Instituto Nacional de
Saúde mental para poder testar suas idéias.
Petteres (1998, pg 213) nos lembra
que as pesquisas iniciais que propiciaram o desenvolvimento do método TEACCH,
primeiramente, foram realizadas sob a forma de observações intensas e
abrangentes de como o indivíduo autista se desenvolvia e, o que mais lhe
chamava a atenção e mais: sob quais condições respondia melhor e, em função
destas pesquisas, pode-se constatar que crianças autistas são mais capazes de
adquirir aprendizados numa proposta de atividade estruturada em vez de
uma intervenção terapêutica de caráter mais livre e interpretativo.
Esse é ponto de ancoragem e início
do tratamento, toda a proposta de método se baseia no pressuposto de que os
autistas respondem bem aos sistemas organizados, ou seja, é colocando as coisas
em um padrão definido de organização que o autista poderá ter compreensão do
que lhe demandado pelas outras pessoas, adequando-se o melhor possível à nossa
sociedade.
IV. ESTUDO DE CASO
Os estudos de casos a respeito da
aplicação de métodos comportamentais em autistas são em pequeno número, as
pesquisas feitas nessa área trabalham na revisão bibliográfica e publicam
artigos sobre a aplicação sim, dos métodos em instituições falando de forma
geral os ganhos em alguns tipos de comportamentos inadequados e a facilitação
da situação de aprendizagem, mas pouco se esmiúçam em detalhar um caso
específico em tratamento.
O Método TEACCH pode ser
classificado como um método psicoeducacional, da ordem da pedagogia terapêutica
ou clínica educacional. Os que não concordam com sua proposta de intervenção
levantam a hipótese de que os sujeitos atendidos por esse método tendem a
robotização.
Como há a possibilidade de relatar
um estudo de caso, um tratamento em andamento, a proposta do presente artigo
recai na possibilidade de falar de um sujeito que aparece como ser cognoscente,
quando aprende e usa dessa aprendizagem para expressar suas vontades, assim
vê-se que a aplicação do método TEACCH a partir de técnicas comportamentais
estrutura a vida do autista para que este possa entender o que se quer dele e
que ele possa dentro da suas limitações dizer o que necessita, longe de se tornar
um protótipo de robô.
No estudo que se segue, Gabriel[1] é
o filho primogênito de um casal possuidor de um histórico de parentes com
problemas de hiperatividade, ele tem o diagnóstico de autismo e retardo mental
leve, comorbidados com um quadro de hiperatividade, como será possível ver
durante o descrever do caso.
Durante a gestação de Gabriel, sua
mãe submete-se a um exame que acusa uma infecção de toxoplasmose, ao repetir o
exame nada foi acusado, como não foi feito um terceiro exame, tomou como
tranqüila a gestação de nove meses. Muito antes de completar um ano, Gabriel já
possuía uma impaciência notada por todos de sua casa, chorava muito segundo a sua
mãe, a hiperatividade estava presente desde cedo de acordo com a mesma.
Aos dois anos e três meses foi levado a uma
fonoaudióloga, pois tudo o que tinha falado até essa idade era “papa” e “mama”,
mas naquele momento não apresentava linguagem verbal compatível com as crianças
de sua idade. A fonoaudióloga levantou a hipótese de se tratar de algum
problema neurológico indicando-lhe uma consulta com um médico neurologista,
este ao examinar a criança deu-lhe o diagnóstico de hiperativo.
Até os três anos de idade apresentou
o comportamento de arrancar todos os cabelos do lado esquerdo de sua cabeça.
Quando um ano depois sua mãe, indicada pelo neurologista, foi procurada por uma
psicóloga que iniciava uma escola para autistas soube do diagnóstico real de seu
filho e pode perceber que ele apresentava um comportamento auto-agressivo ao
puxar seus cabelos. Nessa escola ficou dos quatro aos sete anos, em sistema de
horário diurno integral, seu desempenho sempre oscilava, devido a sua
hiperatividade.
Dos sete aos nove anos estudou em
uma escola normal, as crianças desta nova escola e seus pais ajudavam Gabriel
como podiam, segundo sua mãe. Mas depois dos noves anos ele já estava grande
demais e destruía as coisas da escola.
Nos anos que se seguem Gabriel é
encaminhado à FUNAD, mas por não ser trabalhado dentro de uma proposta
terapêutica estruturada não consegue ter muitos avanços, afirma sua mãe, hoje
psicóloga analista de comportamento. Atualmente Gabriel tem dezesseis anos e
faz um tratamento psicofármaco com Melleril e Fernegan.
Os primeiros contatos com ele se dão no
sistema de observação livre no seu lar, e são notados comportamentos
esteriotipados como pulos excessivos, folhear um mesmo encarte de supermercado
durante boa parte do dia, usar o observador como ferramenta , não apresentar
movimentos antecipatórios, nem atenção compartilhada, aversão ao contato físico
e interação social inadequada . No campo da linguagem, percebeu-se ecolalia
tardia e frases desconexas em momentos inapropriados.
Várias são às vezes em que Gabriel
aborda o observador puxando-o pela blusa, comportamento repetido com todos em
casa. Durante todo o dia busca conforto no ato de balança-se em uma rede. O
fato de o observador usar óculos faz com que Gabriel tire-o do rosto e agarre-o
forte, o observador tomava-lhe o óculos e dizia a seguinte frase: Põe aqui,
apontando para o seu rosto, hoje esse comportamento foi extinto.
Num segundo momento das observações
pôde-se saber que Gabriel possuía alguns horários de rotina, ao banheiro sempre
era levado as sete, nove, onze, quinze e dezenove horas. Dormir sempre às vinte
horas. O seu café é às sete horas, seguido por um lanche às nove, almoço às
doze, um outro lanche às quinze e às dezoito horas, o jantar. Responde bem a
esse sistema e quando está próximo da refeição chegar ele repete que “quer
comer”.
Durantes as últimas observações,
frases como pega a bola, guarda a sacola, enunciadas pelo observador são
entendidas e executadas por Gabriel. È possível se constatar que ele sabe o
nome de todos em sua casa e coisas que lhe cercam, e que quando entende o que
se pede tende a executar a ordem.
O observador foi submetido a um
curso de formação de terapeuta-professor interdisciplinar pelo método TEACCH, e
em seguida inicia-se o tratamento numa sala na própria casa de Gabriel,
estruturada de acordo com o método, com objetivos pré-determinados: trabalhar
para adaptação dele ao setting, trabalhar na mesa individual por quinze
minutos, trabalhar na mesa independente por dez minutos. Nessas últimas duas
atividades, serão estimulados os aspectos cognitivos como reconhecimento de
cores e formas diferentes, atividades de encaixe e emparelhamento.
O fato dos primeiros atendimentos
ocorrerem dentro da casa do mesmo, transforma-se de início em uma variável interferente,
pois o Gabriel estava acostumado com fato de ter todo o seu tempo livre,
buscando conforto em comportamentos esteriotipados, revelando uma resistência a
mudanças.
Num primeiro instante os
atendimentos ocorreram de forma sistemática durante três vezes por semana com
duração de duas horas, aumentando progressivamente, para não sobrecarregá-lo
com o início do processo. Estímulos foram usados para que o estudante pudesse
ficar dentro do setting de maneira agradável, essa era uma forma de tentativa
de adaptação. No horário do lanche da tarde, este era usado como estímulo para
a adaptação ao setting, só era lhe apresentado o lanche quando ele sentava.
Durante os atendimentos Gabriel não
sentava uma só vez, ficava entre entradas e saídas, mesmo na hora do lanche ele
não ficava tranqüilo na sala. Recursos que chamassem a sua atenção para que ele
sentasse-se à mesa de trabalho em grupo foram utilizados nesses primeiros
atendimentos. Gabriel sentava-se, mas levantava-se em poucos segundos, ainda
encontrava-se muito agitado, não conseguia se acalmar. O lanche começou a ser
interrompido quando ele levanta, para que pudesse compreender que só se
alimentaria quando estivesse sentado. Uma caminhada foi incorporada como forma
de aproximação entre terapeuta e estudante, essa passou a ser sua melhor
performance.
Com duas semanas já havia um pequeno
progresso, Gabriel já sentava muitas vezes, a freqüência aumentou
consideravelmente, contudo o tempo de permanência sentado ainda era muito
pouco, cerca de quinze segundos, e já compreendia que só era alimentado na hora
do lanche quando sentado. O setting já não lhe parece um lugar estranho. Mesmo
assim sua resistência ao trabalho é significativa, o tempo em que está na sala
e não está sentado é gasto desmontando a mesma, uma forma de não ficar nela.
Na semana seguinte cartões utilizados pelo
método PECS (Picture Exchange Communication), comunicação pela troca de
cartões, onde ele pode apontar para o cartão e solicitar o que quer comer são
introduzidos no período do lanche. Estes, num primeiro momento, causam-lhe
estranheza. Mas em poucas semanas começa a aceitá-los melhor.
Através do uso de um jogo de
emborrachado de formas diferentes ele senta, monta o jogo e levanta-se,
aumentando o seu tempo de sentar em um minuto.
Na caminhada há um progresso no sentido de que nas primeiras tentativas
ocorreram as aparições de comportamentos inadequados como abordar pessoas e
sentar no chão. Esses comportamentos melhoraram significativamente, mas ainda
hoje Gabriel os apresenta, em menor freqüência, lembrando ao terapeuta que esse
trabalho só pode ser feito com exercício de paciência contínuo de sua parte,
para lembrar que existe um tempo do estudante com suas limitações. O tempo do
terapeuta não pode ser uma variável interferente, a ansiedade deste não pode
ser nociva para o autista.
Com quase dois meses, a sala de
atendimento muda-se para uma instituição fundada para atender outros portadores
de autismo, idealizada pela mãe de Gabriel, este fato faz com que haja um
significativo progresso no seu tratamento. Cartões do sistema PECS com fotos
fazendo referencias as atividades são introduzidos para orientar Gabriel,
informando-lhe que tarefa deveria executar e sua seqüência, logo, um primeiro
trabalho é feito, treinar o reconhecimento dos cartões, antes de executar
propriamente as atividades. Nessa mesma época devido a sua capacidade de
tolerância ao trabalho estar aumentando os atendimentos passam a acontecer
todos os dias com quatro horas diárias, de segunda à sexta.
Uma primeira atividade chamada de
Círculo de Entrada é feita no início de cada sessão, onde informações temporais
são trabalhadas e é induzida a participação na escrita em um quadro negro. O
trabalho individual ocorre com a empilhagem simples de classificação de cores e
encaixes sólidos com cor única e forma diversificada. No trabalho independente
trabalha-se com empilhagem de única cor e encaixes de única forma, assim como
de acordo com que as atividades do trabalho individual vão sendo aprendidas
passam para essa segunda fase, para isto necessita-se de absoluta certeza de
que tal situação foi aprendida e possa se dar um passo adiante.
Através da apresentação de estímulos
primários, pipoca que Gabriel gosta, ele senta nas mesas e cumpre as tarefas.
Num primeiro momento foi necessário também um apoio físico para que o estudante
entendesse o que ele teria que fazer para ganhar o estímulo primário.
Seu tempo atualmente na mesa de
trabalho individual é de quinze a vinte minutos, e na mesa de trabalho
independente é de dez minutos, aumentou consideravelmente desde o início do
processo, e já não se usam mais nem o apoio físico, nem a apresentação do
estímulo primário, uma vez que ele já senta e cumpre suas tarefas. Hoje, pode se ver que Gabriel através de
atividades estruturadas tem tardes onde se encontra muito mais calmo e sem
tanta agitação, seus pulos durante os atendimentos diminuíram
consideravelmente, assim como os seus gritos. Geralmente ele chega muito
agitado e acalma-se durante a sessão.
Mas o trabalho não se limita apenas
aos aspectos cognitivos, como nos lembra Lipp 1987, pg 111, a abordagem dessas
pessoas acometidas pelo autismo deve ser semelhante à do deficiente mental
grave, usando-se técnicas comportamentais visando induzir uma normalização de
seu desempenho e lhes ensinando noções básicas de funcionamento, tais como
vestir, comer, higiene, etc, nesse sentido treinos de banho, uso de sanitário,
atividades de vida prática, estão presentes no plano terapêutico individual de
Gabriel, para tentar-lhe possibilitar a maior independência possível.
Em quatro meses de tratamento
Gabriel tem atingido os objetivos propostos pelo o seu plano terapêutico
individual, criado a partir de uma avaliação de suas dificuldades e
possibilidades, como também dos interesses de sua família.
Não se trata de um trabalho fácil nem para o seu terapeuta, nem tão pouco
para ele, pois a hiperatividade de Gabriel é seu maior inimigo, sua capacidade
de concentração é afetada diretamente devido a sua agitação psicomotora,
dificultando assim sua capacidade de aprendizagem, as intervenções em primeira
mão têm sido no sentido de administrar essa agitação através de técnicas
comportamentais. Em casa onde ele pode ficar mais tempo sem nada fazer, faz com
ele ainda apresente comportamentos indesejados, contudo a continuidade do
tratamento vai no sentido de estruturar atividades também em casa para se ver
os benefícios que poderão trazer.
Ainda são inúmeros os comportamentos inadequados por ele apresentados no
setting, os quais ainda precisam-se entender como eles surgem e sob quais
condições, mas seus ganhos são significativos, através das atividades
estruturadas ele tem podido aprender e interpretar as informações em sua volta.
Um exemplo disso é o uso dos próprios cartões de atividade, quando não quer
fazer uma atividade, ele não pega o cartão, tomando em vez disso o cartão de
uma atividade que quer fazer e apresentando ao terapeuta, às vezes ainda está
longe o horário do lanche e ele vai à sua agenda de trabalho e pega o cartão do
lanche e diz que quer lanchar, é surpreendente ver um garoto que só gritava
quando queria algo, sem saber como dizer sobre sua vontade, apresentar uma
informação estruturada solicitando algo. Isto, entre outros ganhos, prova à
eficácia do método TEACCH para portadores de autismo, e como ele possibilita o
indivíduo comunicar-se com quem está a sua volta.
Gabriel nesse momento ainda encontra-se submetido ao método, e devido ao
seu avanço, seu plano terapêutico tem sido reorganizado, numa proposta de
trabalhar atividades de cunho profissional, como atividades de escritório e
trabalho de fabricação de bijuterias, num momento próximo estas atividades
serão iniciadas, já que Gabriel está na adolescência e tem que se pensar sobre
o seu futuro.
Decididamente o TEACCH tem ajudado ao autista a adequar-se dentro de suas
possibilidades à sociedade, promovendo sua independência em função de suas
dificuldades, o tratamento de Gabriel ainda levará um bom tempo, não se pode
estimar o quanto, para que não se crie expectativa irreal acerca de seu caso.
O trabalho com o autista é tarefa árdua, cheia de entraves, mas bastante
possível, desde que se tenha certo que é preciso todo o instante avaliações de
tudo o que possa ajudar ou interferir no processo. Nesse sentido esse estudo de
caso não termina por aqui, continua durante o tratamento com Gabriel, certo de
que possa haver um bom prognóstico para esse adolescente, desde que não se
perca de vista os fundamentos do método TEACCH e a constante busca por
bibliografias especializadas.
Como a própria bibliografia utilizada neste estudo advoga, as técnicas
comportamentais e a educação especial têm se mostrado a forma mais eficiente
para o tratamento com os indivíduos portadores do espectro autístico, ainda é
pouco o tempo ao qual está submetido Gabriel ao TEACCH, mas já é possível pesar
seus ganhos e ver que vale a pena investir em uma proposta estruturada e
individualizada, já que quem trabalha com esse método parte do principio que
não é a criança que tem que se adaptar ao método, mas sim ele à criança. Usando
da pesquisa de potencialidades, dificuldades e gosto de indivíduo para criar um
plano que promova o máximo possível sua independência.
BIBLIOGRAFIA
BOSA, C. e col.
Autismo e Educação: Reflexões e Propostas de Intervenção. Porto Alegre:
Artmed, 2002;
GAUDERER, E. C. Autismo.
São Paulo: Atheneu, 1993;
GAUDERER, E. C.
Autismo e Outros Atrasos do Desenvolvimento: Guia Prático para Pais e
Profissionais. Rio de Janeiro: Atheneu, 1997MILHOLLAN, F. Skinner x
Rogers: Maneiras Contrastantes de Encarar a Educação. São Paulo: SUMUS,
1978;
Laplanche, J.
Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 2001;
LIPPI, J. R.
Das. Psiquiatria Infantil: Estudo Multidisciplinar. Belo Horizonte:
ABENEPI, 1987;
PETTERES, T. Autismo:
Entendimento Teórico e Intervenção Educacional. Rio de Janeiro: Cultura
Médica, 1998;
SCHWARTZMAN,
J.S. Autismo Infantil. Brasília: Corde, 1994;
Nenhum comentário:
Postar um comentário